Por causa do Kafka hoje pensei em nossa visita a Praga. Lembrei que lá me tornei a louca da máquina fotográfica, um uau atrás do outro. Não importa se uma torre lá no alto, ou se um teto escondido nos confins de um mosteiro: é em Praga, é lindo de ver. Até as gavetas de uma cidade antiga valem muito. Eu gostei dos cantinhos. No castelo, um detalhe; nas ruas, uma esquina mais discreta com aquela vitrine caprichadinha; na lateral da igreja, um vitral; na basílica, um banco velho. Praga é exuberante, mas também brinca de esconde-esconde. Kafka se abrigou por uns tempos num cantinho dentro dos muros do castelo, e a turista boba (eu) visita e pensa, uia, ele escrevia aqui, o moço do inseto.
Quando viajo tiro fotos e compro canecas. Minha canequinha de Praga também se esconde: se vazia, não nos conta nada; mas é só servir o café que ela abre a cortina.
Hoje fui de chá. Tomei um gole em homenagem ao moço do inseto, que agora é para mim o moço do processo, e outro em homenagem a mim mesma. Como já anunciam as temperaturas, amanhã o inverno chega. Com ele, meus 45 anos. Sinto-me um pouco como a caneca: quieta, mas capaz de, com um bom chá ou café, revelar uma história boa aqui, outra ali. O tempo não passa somente, ele nos envolve e nos situa. De onde olho agora, a vida me parece uma cidade bonita e antiga: tem umas ladeiras difíceis, umas ruas mais escuras e suspeitas, masmorras até; mas também tem pontes lindas por onde caminho toda boba, o olhar arregalado. Vejo também um monte de saudades. Dos registros que mais gosto atualmente, ficarão o som do piano quando Arthur toca, a voz da Amanda cantando com seu ukulele, Ulisses e eu preparando qualquer coisa juntos na cozinha. De onde olho agora, apesar das curvas loucas do mundo, a vida me parece um dia lindo.