"O medo da morte (...) levou o homem do século XXI, com ajuda das biociências, a prolongar consideravelmente seu tempo de vida biológica, sem com isso tornar-se mais capaz de desfrutar da duração. Hoje é possível viver com saúde durante oito ou nove décadas sem perder a sensação de que o tempo continua curto, de que a vida é a soma de instantes velozes que passam sem deixar marcas significativas." (p. 148)
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O que me faltou ao ler O tempo e o cão - a atualidade das depressões, da inspiradora Maria Rita Kehl (Ed. Boitempo), foi familiaridade com a terminologia mais técnica da psicanálise. Faltou traquejo para que eu pudesse migrar de um parágrafo a outro com o conforto do reconhecimento. Ao invés disso, tateei por boa parte do texto como leiga que sou, interrompendo, relendo, mastigando, estudando. Ao mesmo tempo, mergulhei nas outras camadas do texto, mais transparentes para não iniciados, que já revelam a acuidade do olhar de Kehl sobre nossas relações com o tempo. Para mim, foi um daqueles livros aos quais prometemos retornar, ainda que a primeira leitura já tenha sido tão valiosa.

Mais do que uma análise da atualidade das depressões, O tempo e o cão é um lembrete: o tempo é tudo que temos. E sob a luz da psicanálise, Kehl aponta para a "perspectiva de um percurso livre da pressa" que diminua nossa angústia e resgate nossa capacidade de reconhecer o que realmente nos define. Reconhecer que somos mais do que produtores ou fornecedores ou trabalhadores. Somos amores.
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