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Há dias em que o termo blues faz muito sentido.
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Meu final de semana começou com um sonho bom. Sonhei com minha mãe saudável e forte, deitada comigo na cama, com a cabeça no meu ombro enquanto eu a acariciava. Trarei a imagem comigo por muito tempo. À certa altura do sonho, ela se dava conta de que não estava mais tão doente e isso gerava uma alegria tranquila em nós duas. Ela me encarava bem de perto, seus olhos grandes, bem maiores do que eram em vida, mas igualmente azuis. Ninguém dizia nada, não era preciso.
Na noite de sexta tínhamos ido a uma festa infantil (a primeira de muitas na temporada 2012). Essa teve um gostinho especial: foi a primeira, desde que festas infantis passaram a responder por 90% da minha vida social, em que eu e Ulisses ficamos juntos praticamente o tempo inteiro. Não precisamos mais correr atrás da Amanda - cada dia mais cacheada, cada dia mais espevitada, ela já frequenta os brinquedos mais radicais e busca comida quando sente fome. Ficamos ali, namorandinho. Até que chegaram outros pais com recém-nascidos na mesa e comecei a conversar sobre parto de novo. Tudo bem, falamos de outras coisas, como aulas de natação e horários da escola. Somos pessoas interessantes e de papo bom, diversificado.
No sábado fui ao mercado com a Amanda, aquela que já é independente nas festas infantis, e fizemos as compras da semana. Mercado com criança é aquela coisa, um olho na gôndola, outro na cria. Tudo certo até a hora em que precisei dos dois olhos para digitar a senha do cartão. Pronto, sumiu. Meus gritos de "Amanda!!" foram ouvidos na outra filial do mercado, depois da ponte. Três segundos depois (duram meio dia, acreditem), um moço apontou "é aquela?". Era, tava lá na maquininha dos cartões de fidelidade da loja, digitando senhas também. Com aquela certeza gigante de que somos felizes, fomos tomar sorvete. Enquanto ela lambia, pingava, sugava, mordia, eu beijava e achava cada centímetro dela lindo demais. Num tô falando que compras pela internet são o maior barato?
Depois de levar a filhota pra casa, fui a uma loja de roupas. Enquanto fazia o pagamento, comentei assim, sem muito interesse, que queria o cupom fiscal. Silêncio constrangedor. A moça da loja ficou espantadíssima! Tipo: oi?! Pânico. Momento tenso. Ela. Não. Sabia. O. Que. Fazer. Gaguejou um "s-s-sim" e começou: arranca etiqueta, cola etiqueta, anota, faz conta na calculadora, anota, borra, anota de novo, faz conta, cola, rasga, zzzzzzzzzzzzronc! Assisti metade de um show de MPB na TV da loja, olhei TODAS as peças das araras, li todos os panfletos de carnaval do balcão. E ela lá, morrendo. As outras duas vendedoras da loja tinha cara de paisagens longínquas. Depois que ela "terminou", disse: já vou emitir, tá? E eu: :-) Ela então ligou o computador. Vejam bem, o computador que emite os cupons fiscais da loja estava desligado, no início da noite, num sábado de alta temporada nesta cidade lotada de turistas ávidos por compras. Ou seja, devo ter sido a primeira cliente a pedir a nota fiscal (minhas próximas gerações estão para sempre xingadas pelo staff da loja), ou não? O processo durou quarenta minutos. Saí com sorriso de "muito obrigada". Enquete: ninguém pede cupom fiscal??
O domingo veio e com ele amiguinho do Arthur, lasanha e brownies. Muita preguiça e zero compromisso. O sol estava solitário num céu sem nuvens tão azul que tudo no quintal parecia meio mágico. No final do dia, quando as crianças já tinha abandonado a piscina e brincavam na sala, eu ainda estava sentada lá fora. O azul continuava lá, mas eu nem me encantava mais com o céu ou com as sombras das palmeiras na água de fundo também azul. Amanda veio e começou a brincar de derramar pequenas porções d'água nos meus pés. Brincou assim por um tempo, sem dizer palavra. Ou se disse, acho que não ouvi. Aquela cor onipresente me levava de volta ao sonho e àquele par de olhos tão azuis que até o dia de hoje sentiria inveja. E foi tanta saudade, mãe. Tanta.