A decoração pós-surrealista da sala da minha casa.
Ultimamente alguns leitores e leitoras têm feito comentários que têm me deixado um pouco inquieta. Não chegam a me incomodar, bem longe disso, mas a repetição deles tem gerado uma pequena, mas importante, preocupação. E aí nasceu este post. Falo de elogios carinhosos à minha condição de, digamos, “mãe que deu certo”. Preciso urgentemente falar disso com vocês.
É claro que gosto da imagem da mãe feliz, que tira de letra a criação dos filhos e vive num lar harmonioso onde rosas caem do teto. Sem espinhos. Mas isso é só uma imagem, um recorte, que nem sempre reflete a rotina de quem cria duas crianças, trabalha fora, bla bla bla. E eu gosto muito dos meus leitores, então preciso ser honesta com vocês.
Quem tem filhos e passa por aqui certamente percebe que aqueles posts fofíssimos narrando gracinhas dos pequenos são uma pequena amostra das muitas alegrias que as crianças nos trazem. Mas certamente também percebem que sou seletiva no que narro. Então conto que o Arthur adora rúcula, mas raramente escrevo sobre os dias em que ele se recusa a comer e faz um charme danado. Então outro dia a Luci comentou “as vezes eu tenho a impressao que tua familia eh perfeita". E aí ouvi um click! Falei: "olha, que imagem estou criando?" Porque é verdade que o Arthur se alimenta muito bem e, via de regra, não nos dá trabalho para comer. Ainda assim, aqueles dias difíceis na hora da mesa também existem.
Quando leio que uma leitora se inspira com o que escrevo e admira como minha vida é tão docinha com meus filhos, fico fofa de felicidade, mas em nome da honestidade preciso dizer que sou cheia de momentos difíceis, que tenho paciência curta (tenho melhorado muito convivendo com Odisseus e com os pequenos) e muitas vezes, no final do dia, sinto-me cansada de tanta falação (vocês, sem filhos, têm ideia do tanto que uma criança fala?). E que também não adoro quando espalho todos os ingredientes do bolo sobre a mesa e a Amanda, que já deveria estar no 2º sono, chama mamããããe!! Sim, ela dorme superbem, o que não quer dizer que nunca tente adiar a fatídica hora de fechar os olhos. E nesses dias, não é sempre que corro para o quarto dela, feliz por poder dar outro beijinho. Às vezes, vou toda chiando: “ih, Amandinha, hora de dormir, né? Chega de conversa por hoje.” Ainda que depois volte lá e beije suas bochechas dorminhocas enquanto o bolo assa.
Percebem o que estou tentando fazer? Quero dizer que cada linha que escrevo aqui é verdadeira, mas que não estou em estado de graça 100% do tempo. Há momentos em que quero silêncio para ler e não tenho. E se tenho, ele vem com culpa, porque, afinal, estou lendo e não brincando com meus filhos, a egoísta. É, gente, é bem por aí. Raramente uma decisão que inclui momentos sem filhos vem isenta de culpa. Nem que seja um pouquinho, em mim ela está ali. E saber lidar bem com isso é um aprendizado diário, que exige paciência, reflexão e muita conversa com o marido, que passa lá por seus conflitos de pai que quer estar sempre presente, etc. Por enquanto minha “solução” é ler da meia-noite à uma da manhã. Geralmente adormeço antes, com o livro despencado no nariz.
Dito isso, não mudaria uma vírgula na minha vida familiar. Ter filhos foi uma decisão conjunta, tomada na hora certa para mim e para o pai deles, por um casal que se ama e que tem planos de dividir bengalas e dentaduras no futuro. Eu não sabia o que era amar tanto uma pessoa - e olha que não amo pouco o Ulisses, não amo pouco, não - até ver o Arthur em meus braços. Logo que ele nasceu, passei dias sem conseguir ficar sozinha com ele e não chorar de puro encantamento. Vê-lo crescer, aprender, explicar-se, argumentar, ler, recitar, somar, nadar, dançar, chutar, whatever, é um bálsamo para todos (to-dos) os momentos difíceis. Eu passaria por todos os perrengues para ouvir a gargalhada dele, uma única vez. É a coisa mais gostosa desse mundo. Juro, de pé junto. Ainda assim, criar filhos é um imenso desafio.
Então queria dizer para meus adoráveis leitores e leitoras que passam por aqui, e que se inspiram com minha relação com meus filhos, que vida de mãe tem lá seus dias de gangorra. Ter filhos é uma das escolhas mais importantes de nossas vidas porque nos compromete para sempre, em maior ou menor grau. Não sou mais dona do meu nariz, ainda que goste de ser assim, entendem? Gosto de ter Arthur e Amanda em minha vida, tanto, tanto, tanto, que tudo que deixo de fazer por causa deles me parece menor. Mas isso não é o mesmo que dizer que tudo é um mar de tranquilidade porque não é. E olha que acho que tenho filhos “fáceis”.
Além disso, futuras mamães, preparem-se para as cobranças imensas, desumanas até. Porque não sei se vocês sabem, mas o conceito de “boa mãe” é a coisa mais esquizofrênica que já vi na vida. Seu parto precisa ser normal, não vai amarelar!; a amamentação deve durar no mínimo dois anos, sem frescuras; pouco leite? incompetência!; é preciso largar o emprego; não, não pode largar o emprego, você não é submissa ao marido; não, não pode trabalhar e contratar babá e terceirizar a educação de seus filhos; não, não pode pôr na creche, horror, onde já se viu; não, não pode ficar em casa, você vai se desatualizar e nunca mais voltará ao mercado de trabalho, sua burra; não, não pode trabalhar em casa, você não vai conseguir se concentrar; não, não pode reclamar, você é uma mulher ou um rato? não, não pode dormir na mesma cama com seu filho, ele vai ficar inseguro; como assim abandoná-lo no quarto sozinho para dormir, sua monstra; como assiiiim seu filho come açúcar e aonde você pensa que o mundo vai parar com todas essas fraldas descartáveis; ah, você só pode estar brincando quando diz que seu filho ainda vive no seu colo; minha nossa como você é fria!, não vê que essa criança precisa de colo? Nunca estamos certas. Preparem-se. Falo sério.
E tem o medo. O medo passa a ser nosso companheiro e também é preciso aprender a lidar com ele para se manter sã. O mundo é doido e até nascer o primeiro filho a gente nem nota. E também tem o amor maior, maluco, que nos transforma em fã de todas as crianças do mundo! E aí, meu, dê adeus às cenas dos filmes que mostram crianças sofrendo. Você não as suportará mais. Louco, o negócio.
O que fazer? Acreditar e permitir. Acreditar nas suas escolhas e permitir que as dúvidas venham. Mas, acima de tudo, amar, querer os filhos. Para que tudo valha muito a pena e que o riso venha fácil diante de frases como “ah, mas você não tem mais liberdade”, porque você sabe mais. A ponto de achar até engraçado que alguém de fato acredite que você trocaria tudo por um cinema. Por mais que você goste de cinema.
E acho que é essa crença que me faz ver muito mais cor nos momentos fofices do que vejo incômodo nos momentos birrices. Mas os momentos birrices existem, são reais e incomodam, incomodam, incomodam. Então, pessoas boas, minha vida é bem colorida, sim, e fico muito feliz, de uma felicidade genuína, por saber que inspiro alguém a pensar em filhos porque passou por aqui. Mas eu precisava dizer. Para não soar falsa, sabe? E quer saber? Foi bom escrever isso agora. Para que vocês criem uma imagem mais perto da real dos meus filhos: crianças. São crianças.
Tenho certeza de que ainda vão chover fofices por aqui, porque não há de faltar matéria prima para tanto. Garanto. ;-)
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E sabe qual é a boa do final de semana? Festa infantil (adivinhem quem já está completando um ano??). Ah, isso não tem preço! A gente passa a vida comendo brigadeiro! Uh-hu!